Nasci e cresci em Jequié, cidadezinha
interiorana localizada no interior da Bahia, onde moro até hoje com meus pais e
meu irmão mais novo. Minha infância foi fortemente marcada pela leitura e pelas
brincadeiras, assim como também foi marcada por muito amor e carinho, e pelas
curiosidades e descobertas. Sempre fui muito à frente do meu tempo. Por ser
muito curiosa, sempre gostei de questionar a origem das coisas, “o porquê disso
e daquilo”. Também sempre tive uma imaginação muito ativa, e muita
criatividade. Tenho lembranças maravilhosas da minha infância, que, para mim,
foi um momento inquestionavelmente mágico e inesquecível, o qual compartilharei
aqui, com muita alegria e euforia. Vamos embarcar nessa aventura comigo?
Meus
pais dizem que, desde que eu era bem pequena, ainda bebê, eles liam histórias
para mim, mesmo achando que eu não entendia, apesar de dizerem que eu ficava atenta,
a olhar o que eles estavam falando comigo. As histórias que eles mais contavam,
eram as da bíblia, como exemplo, a história de Moisés, de Daniel, e dentre
tantas outras, a história de Jesus. Sempre compravam livros para mim, mesmo
quando eu ainda não entendia as palavras e só os folheava e os olhava.
Este
hábito se perpetuou por toda a minha infância. Assim como os meus pais, algumas
pessoas da minha família participaram ativamente da minha educação e da minha
infância. Liam pra mim, me contavam histórias, e me passavam muito amor e
carinho. Como sempre tive muita imaginação, esses momentos eram mágicos para
mim. Ao ouvir as narrativas e textos recitados, eu viajava para outro universo,
me imaginando nos contos e relatos contados, e ficava extremamente ansiosa para
que logo, fosse eu a ler e a contar as histórias, tanto que, quando eu aprendia
uma, queria contar para todo mundo repetidamente.
Sempre
gostei muito de brincar, e de inventar brincadeiras. As minhas melhores e
maiores lembranças em relação a estas, são do meu quintal - e daí o título
deste relato. A casa na qual cresci, e a qual moro até hoje, possui um enorme
quintal, com árvores, terra, e muito espaço para correr e brincar. Meus primos
sempre vinham à minha casa, e quando isso acontecia, íamos diretamente pro
quintal. Fazíamos de lá, o nosso universo infinito, onde éramos heróis,
príncipes, princesas, reis, rainhas, detetives, monstros, chefes de cozinha,
aventureiros a procura de desafios. Éramos tudo o que queríamos ser e quando
queríamos ser. Às vezes, éramos até várias coisas ao mesmo tempo. Viajantes no
tempo e no espaço, revestidos pela imaginação e pela liberdade.
Lá
também, dividíamos e partilhávamos a nossa vida e os nossos sonhos. Aprendíamos
sempre uns com os outros, através de nossas vivências e experiências particulares
e coletivas. Como éramos de idades diferentes, e alguns já estavam na escola e
outros não, uns em séries mais avançadas que outros, compartilhávamos nossos
conhecimentos e descobertas. Era uma troca mútua de saberes.
No
quintal, tínhamos um balanço, sombra. O lençol, virava tenda, barraca na
floresta, castelo em um reino nem tão distante. E tinha uma árvore, que hoje,
tem a minha idade, 20 anos, um pé seriguela. De tão querida, já era até mesmo
nossa amiga. A nomeamos como Gertudres. Nela, era onde acontecia a maior parte
de nossas brincadeiras, e ela, de tão íntima, conhecia os nossos maiores
segredos.
Durante
a minha infância, também gostava muito de ter meus momentos sozinha, era quando
eu entrava no “meu infinito particular”. Amava entrar no meu quarto e dedicar
um momento a leitura, a escrita e/ou aos desenhos. Lia livrinhos, gibis da
Turma da Mônica e da Luluzinha, amava escrever textos, poemas. Passava horas
desenhando. Gostava muito de desenhar roupas, e dizia que, quando crescesse,
iria ser estilista, e que teria o meu próprio ateliê. Acredito eu que essa
inspiração vinha de um seriado americano que fez parte da minha vida, chamado “As
visões da Raven”, o qual a personagem principal (Raven), desenhava suas
próprias roupas e sonhava em ser estilista.
Bom,
não teria como eu falar da minha infância, e da criança que eu fui, sem relatar
meu período na escola, mais precisamente na educação infantil e no ensino
fundamental I. Minha vida escolar começou aos meus 4 anos, pelo fato de que,
por minha educação e minha alfabetização ter tido início dentro de casa e
dentro dos outros ambientes e meios ao quais estava inserida(família, igreja
etc.), meus pais optaram por não me matricular com 3 anos, que supostamente
cursaria a série maternal, então me matricularam aos 4, na série infantil.
Há
uma lembrança muito engraçada em relação ao meu primeiro dia de aula, que
carrego comigo. Eu era muito apegada a minha mãe, então foi bem difícil
“deixá-la” para ir para a escola. Ela, juntamente com a minha vizinha, foram me
levar em meu primeiro dia, e, ao chegar na porta, eu comecei a chorar muito,
não queria entrar de jeito nenhum na escola. Depois de várias tentativas de me
fazer ficar, fui para o colo da minha professora, que por sinal, era amiga da
família. O argumento que minha mãe usou para me convencer, foi o de que ela
estaria me esperando lá fora o tempo todo, até o momento de irmos embora. Eu
então, acreditei.
Ao
dar o horário de sair, ela estava lá, como disse que estaria, e fomos para
casa. Ao chegarmos, me deparei com um bolo em cima da mesa, o qual não estava
lá antes de eu ir para a escola, então eu, muito observadora, questionei: -
“Mamãe, se você disse que ia ficar o tempo todo do lado de fora da escola, como
que fez o bolo?”. Até hoje sempre lembramos disso e damos muita risada. Depois
desse dia, não chorei mais para não ficar na escola, pelo contrário, me adaptei
muito bem. Meus pais me contam que, no finalzinho da tarde, eu chegava em casa
já abrindo a mochila querendo fazer as tarefinhas, antes mesmo de tomar banho e
comer.
Dentre
tantos livros que fizeram parte da minha infância, houve dois que mais me
marcaram. O primeiro foi o livro Gigi, a girafa elegante. O
segundo, foi um livro chamado Qual é a cor do amor?. Este
representa uma parte muito importante da minha vida, pois o recebi, na escola,
em um período muito significante, onde houve dois acontecimentos. Aos 5 anos,
ganhei meu tão sonhado irmãozinho, e com isso, tive um processo de ciúmes por,
até então, eu ter sido a filha única, por conta disso, regredi temporariamente
em alguns aspectos. Um deles, foi a questão de dormir na cama dos meus pais. Eu
já estava habituada a dormir sozinha na minha cama, mas, nesse período, eu
voltei a dormir na cama deles e chorava muito quando eles não deixavam. Nesse
período, ganhei esse livro na escola, o qual me apaixonei, e, a partir daí,
tive uma ideia para solucionar o meu problema. Eu pegava o livro, todas as
noites, e o lia até pegar no sono. Já não estava mais a dormir só na cama, pois
tinha um companheiro fiel.
O
livro contava a história de uma menina branca e rica, filha única de pais
extremamente preconceituosos. Um dia, ela estava no banco com seu pai, e, muito
curiosa, foi atrás de algo que lhe encheu os olhos e acabou se perdendo do seu
pai. Por ironia do destino, ela foi acolhida por uma família negra e com baixas
condições financeiras, que a achou perdida, a levou pra casa e cuidou dela, até
os pais chegarem. Vendo a família negra, o pai da menina tomou um belo susto,
mas ali aprendeu a lição. O amor não tem cor, nem raça. A leitura deste
livro foi fundamental para a minha construção pessoal, e para a construção da
minha identidade.
Carrego
um sentimento muito bom e prazeroso em relação a minha infância. A minha
infância foi o período em que mais senti liberdade de poder ser quem eu era, e
no qual, a minha imaginação e a minha criatividade mais se faziam presentes.
Posso dizer que fui uma criança muito feliz e ativa, e que aproveitei cada
pedacinho da minha infância.
O amor e atenção da minha família e das
pessoas a minha volta para comigo, assim como a companhia dos meus primos
na minha infância, e as nossas trocas de experiências e saberes em meu quintal,
e todas as minhas vivências escolares, contribuíram fortemente para a minha
construção pessoal, e para o meu processo de aprendizagem e formação.
Hoje,
me encho de alegria ao ver que, o meu quintal, o que pra mim sempre foi uma
espécie de paraíso, hoje é ainda um gerador de sonhos. Meus primos mais novos e
os filhos dos vizinhos, brincam frequentemente nele, e eu fico ali, observando
as interações, os laços construídos, as brincadeiras, a socialização, a
imaginação e a criatividade fluidas naquele quintal, naquele que um dia foi
meu, a base da minha infância, e percebo, enquanto os observo, que a criança
que um dia fui, em mim nunca morreu, viva esta permanece dentro de mim.